Conta Suely Caldas Schubert: fomos a Uberaba em fins de julho (1984) em companhia dos amigos Kátia e Armando Falconi Filho. Já havíamos contactado, através de cartas, com o nosso querido irmão Chico Xavier. Marcamos uma entrevista com ele, a fim de tratarmos do nosso novo livro.
As reuniões no Grupo Espírita da Prece transcorreram com os habituais trabalhos, mas a cada semana revestem-se de especial emoção sob as injunções dos dramas que envolvem muitos dos presentes.
No sábado, a presença do orador e médium Divaldo Franco, também um amigo muito querido, e a chegada de alguns confrades, companheiros nossos da Federação Espírita Brasileira (que juntamente com Divaldo regressavam do Curso Internacional de Preparação de Evangelizadores Espíritas da Infância e da Juventude, realizado em Brasília nos dias 22 a 26 de julho), entre os quais o nosso estimado amigo Nestor João Masotti (Vice-Presidente da USE de São Paulo), trouxeram à reunião um clima de verdadeira festa espiritual.
Chico Xavier psicografou durante mais de três horas e recebeu oito cartas de Espíritos recém-desencarnados para os familiares presentes. Psicografou também cerca de doze quadrinhas de poetas diferentes. Entre essas, uma assinada por antigo militante espírita de Salvador, conhecido por Tio Juca, e dedicada a Divaldo. O médium baiano psicografou duas cartas de jovens e uma mensagem de Amélia Rodrigues.
Após a entrevista com Chico Xavier, realizada no domingo, retornamos a Juiz de Fora plenamente felizes pelos resultados alcançados, acima de nossas expectativas.
Dois dias depois, comparecemos à nossa habitual sessão mediúnica no C. E. Ivon Costa. Já quase ao final da reunião notamos a aproximação de uma entidade cuja presença captamos por diversas vezes antes de nossa ida a Uberaba. É preciso esclarecer que por quase três meses estivemos preparando o material que levaríamos para a apreciação de Chico Xavier. Durante esse tempo, vez por outra nos sentimos assediados por alguns Espíritos, que tentavam de todas as maneiras afastar-nos dos objetivos programados. Nas últimas semanas o assédio intensificou-se e várias foram as situações difíceis que tivemos de contornar e superar.
Alertados pelos Amigos Espirituais, esforçamo-nos por nos manter vigilantes e equilibrados, escorando-nos principalmente no trabalho da Doutrina e na oração.
Identificamos o Espírito como sendo o líder da equipe que nos vigiava atentamente. Mas o notamos transformado. Já não era o mesmo. Ele e seus quatro companheiros nos rodeavam, denotando, porém, que algo inusitado acontecera.
- Estou aqui, disse ele; com voz emocionada, para narrar-lhes o que nos sucedeu. Fomos designados para impedir a viagem destes três (com um gesto designou-nos).
A ordem era: «Eles não devem viajar. Pretendem levar com eles alguma coisa que não deve chegar ao seu destino. Perturbem. Atrapalhem. Impeçam.» Foi o que tentamos fazer, preparando ciladas e ocasionando confusões.
Contudo, o nosso aborrecimento era grande, pois apesar das tentativas alguma coisa mais forte os ajudava a vencer os obstáculos que criávamos.
Contrariados e até revoltados éramos obrigados a acompanhá-los a reuniões durante toda a semana, parecendo-nos que não faziam outra coisa a não ser cuidar «desse tal» de Espiritismo.
Hoje, digo isto envergonhado. Temos vergonha do mal que desejamos a todos os que estão aqui nesta sala. Não fossem aqueles que os protegem – que reconhecemos mais fortes que nós, muita coisa poderia ter acontecido.
Chegou finalmente o dia da viagem. Fomos com eles. Ficaram num lugar que nos pareceu muito esquisito . Era reunião, prece e as tais leituras todo o dia. Também escreviam muito; entretanto, só os víamos de longe, na maioria das vezes, porque as cercas elétricas nos impediam maior aproximação.
As coisas começaram a mudar para nós. Estávamos desanimados e não víamos mais finalidade alguma no nosso trabalho. Forças estranhas nos imantavam às preces que faziam e a eles próprios. No dia marcado, eles foram à cidade e nós os acompanhamos ansiosos por saber, afinal de contas, o que é que eles tanto esperavam.
- Para eles o trânsito por lá estava livre. Para nós houve sérias dificuldades. Ao chegarmos ao local havia grande multidão de «vivos», mas uma outra bem maior de «mortos».
No nosso plano, muitos guardas cercavam a casa que irradiava uma luz muito forte. Tudo era profusamente iluminado.
A claridade era tanta que o alarido entre os nossos cessou por completo. O ambiente dava-nos uma sensação de grandiosidade que não sei explicar, embora o local humilde e simples na esfera física, o que nos tornou respeitosos.
Em meio à multidão espiritual que se acotovelava, em largo trecho nas cercanias da casa, numa distância equivalente à da claridade projetada, aos poucos sentimos que havia um lugar para nós, para onde fomos conduzidos.
Eu me esquecera de tudo: dos chefes e dos objetivos. Outras preocupações me dominavam.
Nos últimos dias, inexplicavelmente, passei a me lembrar de casa, principalmente do meu filho, que havia morrido há quase 40 anos, quando contava apenas 9 anos de idade. Foi um desastre de caminhão. Eu dirigia, e meu filho quis ir comigo.
Fiz-lhe a vontade, sem saber que seria a última. Em certo trecho da estrada o caminhão desgovernado caiu numa ribanceira. Eu me salvei, mas meu menino morreu na hora. O desespero tomou conta de mim. Julgava-me culpado. Revoltado, passei a odiar o mundo, no qual me perdi. Nunca soube dele do lado de cá. Tornei-me descrente de Deus e da vida.
O movimento no plano físico cresceu – prosseguiu ele – e me interessei em acompanhar os fatos. Coisas estranhas estavam acontecendo. Vi um homem sentado, escrevendo. Escrevia, escrevia muito. Reparei que em torno dele as luzes eram bem mais fortes e que atrás de sua cadeira havia uma espécie de fila, formada em sua maioria por jovens. Fui compreendendo que eles escreviam cartas para os parentes da Terra, pelas mãos daquele homem que vocês chamam de médium, que eram recebidas pelos parentes emocionados.
Meu Deus, pensei, o que é isto! E o nome de Deus surgiu em meus lábios como um grito brotado do coração. Eu também perdi meu filho e não sei onde ele está, embora esteja no mesmo plano que ele. Por quê! Por que ele morreu assim!
Olhei meus companheiros. Como eu, observavam emocionados as cenas. Cada um de nós havia perdido alguém muito amado.
Um deles me falara da filha, doente desde pequena e que morrera na primeira infância. O tempo passava. Sei que amanheceu e anoiteceu de novo. Já era outro dia e aquele homem escrevia ainda. Eu também queria uma carta. Uma notícia…
Sem saber como me vi igualmente numa fila, formada ao lado. Fui atendido por um dos que protegem aquele homem. Contei a minha história. Pedi notícias do filho querido. Para minha surpresa recebi uma folha de papel. Era uma carta dele! Indescritível foi a minha emoção.
Falava de nós, de nossa casa e da nossa vida. E me disse em certo trecho:
«Papai, eu estou ao seu lado. O senhor não me vê porque escolheu o lado errado. Mude de vida, papai, e o senhor me encontrará!»
E havia tal ternura em suas palavras que ao lê-las tive a impressão de ouvir a sua voz e de que ele estava próximo a mim. Não pensei em mais nada. Segurei a folha junto ao coração e ela era como um pedaço de luz em minhas mãos.
Juntei-me aos companheiros que, como eu, foram contemplados com notícias e orientações sobre como proceder dali em diante.
Compreendemos então a imperiosa necessidade de vir até aqui narrar-lhes essas ocorrências. E dizer-lhes que estamos enfraquecidos agora, mas felizes, e desejosos de encontrar esse novo caminho que nos leve mais depressa para junto dos entes queridos.
Calou-se a entidade. Sua emoção contagiara a todos. O doutrinador, comovido, dirigiu-lhe palavras de estímulo e conforto. Antes de se retirar o Espírito ainda disse:
- Hoje eu agradeço a vocês por nos terem levado até aquele homem – aquele homem-luz que todos chamam por Chico. Era este o nome repetido por quantos estavam ali, num plano e no outro, e lhe pediam vez para escrever. Graças a ele, ao trabalho dele, nós cinco recebemos essas notícias e compreendemos o erro em que vivemos até agora. Ainda não sei da minha vida daqui para frente, mas meu filho disse que rogasse a Jesus para recebermos ajuda. Peço-lhes que façam isso por nós, que nos ensinem a orar.
O doutrinador fez sentida prece e a entidade retirou-se."
Fonte: livro “Dimensões Espirituais do Centro Espírita de Suely C. Schubert”
Publicado na revista Reformador, publicação FEB, de novembro de 1984.
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