Num intervalo das agudas perseguições, retornando da Samaria, onde falara para muitos conversos e curara com João, Pedro foi procurado por um jovem, que trazia o corpo coberto de pústulas nauseantes, no afã da Casa do Caminho, sempre repleta de necessitados.
Desfigurado pela inflamação da face, eram apenas os olhos miúdos que brilhavam e a voz rouca suplicando comiseração.
Quando o Apostolo se aproximou, o enfermo prosternou-se, e exclamou:
- Homem santo de Deus!
Pedro interrompeu-o com veemência:
- Sou apenas homem impuro como tu...
- Mas podeis curar-me - choramingou o visitante em desequilíbrio - Eu acabo de ser expulso da cidade, do convívio dos sãos, em razão da lepra que me devora o corpo e a infeliz...
Não pode prosseguir. Quase em convulsão, tartamudeou:
Tudo começou... no templo... no apedre... jamento.
Pedro quase recuou horrorizado. Recordava-se daqueles olhos perversos, frios, e dos gritos do agitador, que conclamava a turba em fúria para a lapidação de Estevão. Jamais o esqueceria. Era jovem e guapo, ágil e violento. Gargalhava e apedrejava o prisioneiro indefeso. Apiedara-se dele a partir daquele momento.
Pedro conhecia a força do choque de retorno nas carnes, da própria alma. Orou por ele, então, naquela ocasião, e agora ele estava ali suplicante.
- Que te aconteceu?! - Indagou, compungido.
- Não vos recordais de mim?! - Interrogou, desconsolado - Apedrejei e conduzi a malta contra o vosso irmão até a sua morte, há pouco tempo...
Fez-se grande e dorido silêncio, que ele quebrou, dando prosseguimento:
- A partir daquele dia - ainda me recordo da mirifica luz que vi brotar do mártir antes de morrer - perdi a alegria barulhenta de viver, eu que, alucinado, já não tinha paz. Os seus olhos em chama e em tranquilidade, desvairavam-me. Tropecei no arrependimento mais cruel e fugi para a embriaguez dos sentidos, a que já me acostumara...
"Por mais desejasse esquecer, aumentava-me sempre a lembrança do crime, da crueldade perpetrada."
Silenciou por um pouco, e aduziu:
- Passei a sentir comichão nos braços apedrejadores e dores nas articulações. Pequenos botões em flor de carne avermelhada surgiram-me na pele e começaram a explodir em pus... Depois, no peito, no ventre, nas pernas, no rosto, em todo o corpo... E a febre que me açoita, arbusto frágil que sou no vendaval, não cessa, enlouquecendo-me.
"Os doutores receitaram-me unguentos, sacrifícios no Templo, que executei, sem resultado.
"Hoje me expulsaram... O vale dos imundos será o meu lugar.
"Recordei-me de vos, que curais as doenças do corpo e do Espírito, porque a minha, é enfermidade da alma perversa, que se exterioriza no corpo infame.
"Tende piedade, em nome do vosso Mestre! Mandaram-me procurar-vos, os parentes meus, que fogem de mim.
"Venho rogar perdão, antes de matar-me, pois que, mil vezes e melhor a morte com honra do que a vida com desgraça!"
— Acalma-te, meu filho - ripostou o Apostolo - e não blasfemes.
"A vida é bem de Deus, que a dá, a conduz e a interrompe no corpo, quando Lhe apraz, a fim de trasladar a alma à eternidade, onde nada perece. Necessitas viver, a fim de reparares o teu mal, o que fizeste aos outros, e encontrares a felicidade real, que ainda não desfrutaste.
"Realmente, os erros aqui na Terra cometidos, como nos ensinou o Senhor, aqui serão resgatados. Arrepende-te sinceramente, e não apenas para recuperares a saúde, porque, enquanto não se da a transformação interior, transita-se de uma enfermidade para outra, sem que se encontre a saúde real, que e paz de espírito."
O jovem, deformado pelas ulcerações, ainda ajoelhado e súplice, afogava-se no caudaloso rio das lagrimas.
Profundamente compadecido, o Apostolo orou a Jesus.
Não terminara a prece sentida, quando vislumbrou Estevão, nimbado de claridade diamantina, adentrando-se pelo recinto, sorrindo e acercando-se.
Simão ficou extasiado e começou a chorar suavemente.
- Pedro - falou o visitante iluminado - o amor e a caridade são as asas que nos elevam o ser a Deus, quando o conhecimento da verdade lhe sustenta o pensamento e lhe vitaliza o coração. Socorramos o pobre irmão, que corre pelo apertado espaço de sombras, no qual se encontra, para que reconquiste a saída para a luz libertadora. É da Divina Lei que retribuamos com o bem todo o mal que recebermos. Assim, não ha outra alternativa, senão amar e ajudar.
"As feridas que cobrem o corpo do enfermo são as energias negativas que o intoxicavam e agora são expelidas. O seu arrependimento e os propósitos para tornar-se melhor secarão o poço de peçonha. Mas nos lhe devemos cicatrizar as chagas externas com o bálsamo da compaixão."
Simão, então, explicou ao enfermo:
- Os céus ouviram tuas súplicas, e Estevão, vivo e puro, vem te auxiliar através das minhas mãos e do teu arrependimento real.
Colocando a destra sobre a cabeça e a sinistra sobre a fronte febril, Pedro orou, enquanto o doente estorcegava, afirmando arderem o corpo e as chagas, ate cair exausto, banhado por álgido suor.
Terminando a aplicação de energias, o pescador de almas tomou-o nos braços fortes, acostumados a segurar as redes no mar da Galileia, e recolheu o paciente desmaiado à enxerga mais próxima.
Lentamente as feridas e intumescências vermelho-arroxeadas começaram a murchar, e a pele foi-se recuperando, ate tornar-se lisa e sem mancha.
Deixando-o dormir, o discípulo abnegado recordou-se de Jesus e balbuciou, comovido:
- ...E não tomes a pecar, para que não te aconteça algo pior.
Afastou-se em silencio com o coração explodindo de alegrias e de gratidão a Deus, reflexionando na sabedoria e misericórdia das Leis da Vida.
Fonte: Livro “Dias Venturosos”
Espírito: Amélia Rodrigues
Médium: Divaldo Pereira Franco
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