Porque uma só pessoa perde tantas outras amadas ao mesmo tempo?

* Adaptação de uma resposta de Divaldo Franco a essa pergunta, em uma de suas palestras.

Necessitamos sempre repetir que ninguém perde ninguém. Temos que substituir o verbo “perder”, porque uma pessoa não é um objeto que a gente perde. Não é um chapéu, uma bolsa, um sapato que a gente perde.

(...) Nós espiritas evitamos o verbo “morrer”, porque na sua profundidade significa destruir-se, e como a vida transfere de um lugar para outro, nos usamos o verbo “desencarnar”, perder a roupagem carnal, falecer. Também é perfeitamente natural transferir-se da vida física para a vida espiritual.

Deveremos considerar em principio que a morte não é uma desgraça, já que todos os membros do mesmo clã estão voltando para a casa.

Seria o mesmo que pensar que ao terminarmos um curso universitário e passamos a aplicar no cotidiano as lições da escolaridade, vamos deixar um espaço na universidade, que será preenchido pelos outros que vem após nós.

A sensação de dor para quem fica é perfeitamente natural, pois esta dor gravita em torno do nosso instinto de preservação da vida. O “medo da morte” é nada mais do que o nosso instinto de conservação, oferecendo-nos mecanismos para que não nos deixemos enfraquecer nem debilitar na luta optando pelo suicídio.

A divindade nos equipa, como a todos os animais, desse instinto que é básico, o da preservação da nossa vida...

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A saudade de alguém que parte é muito natural, e é uma provação para quem fica: acompanhar seres queridos transferindo-se para a imortalidade. Todavia, se considerar que eles continuam vivendo, que estão conosco e podem manter o intercambio, a dor vai se amenizando pela esperança da convivência.

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Eu tive a oportunidade de psicografar em Uberaba, faz vários anos, a mensagem que mais me impressionou na minha vida.

Tratava-se de uma senhora que desejou entrar para falar com Chico Xavier no tempo em que ele atendia 40 pessoas, e não logrou de maneira nenhuma porque ao chegar já havia uma fila muito grande, e ela não teve a oportunidade de dialogar com o Chico.

Eu havia chegado a Uberaba naquela mesma tarde, e à noite, na reunião habitual das comunicações mediúnicas, vi quando chegou um jovem e me disse que ia trazer mais dois irmãos para poder escrever aos seus pais que ali estavam presentes. E então escreveu uma carta.

Era um jovem de 12 anos, e escrevia a carta chorando muito, mas era de felicidade. À medida que ele escrevia e aquelas lágrimas também passavam pelos meus olhos, durante a psicografia, eu pude sentir esse misto da saudade dos desencarnados em relação aos familiares e a alegria de estar de volta.

No momento da lucidez, quando as cartas foram lidas, a história que o filho narrava era comovedora... (..) ele vinha recordá-la de como aconteceu o acidente.

Viajavam os pais e os três filhinhos atrás: um de 12, outro de 10, e um de 2 anos. De repente, o carro perdeu a direção e bateu ao lado de um paredão. Uma faísca atingiu o tanque de gasolina, houve uma grande explosão, e o carro foi devorado pelas labaredas.

O menino de nome Alan, que escrevia a carta, comenta:

“eu ainda me recordo, mamãe, do seu desespero... você colocando as mãos nas labaredas para poder nos salvar, até que nós perdemos a consciência”.

Os três filhinhos morreram carbonizados, e ela ficou com as mãos e partes dos braços igualmente queimados. Ela teve de fazer uma série de cirurgias para poder modificar a postura das mãos e dos dedos em garras. E ele dizia “mamãe, console-se...”, e narrava a razão porque aquilo houvera acontecido.

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Lembrava-se que oportunamente, em uma invasão realizada numa cidade da Espanha, ela, juntamente com um grupo de salteadores, havia ateado fogo a uma sinagoga, onde estavam os judeus orando, mas antes haviam trancado as portas e as janelas, porque eram fanáticos da religião que professavam, e os viram morrerem em grande desespero, devorados pelas labaredas.

Como não adquiriram mérito para liberarem-se de um crime tão hediondo, as leis da vida proporcionaram um acidente, no qual não havia novo algoz para que todos eles se depurassem: os três meninos que partiram, e os pais que ficaram na grande soledade, com marcas inequívocas da tragédia.

Ao revê-la dois ou dez anos depois, na ultima sexta feira em Uberaba, sem dar-me conta eu olhei para suas mãos, e ela me disse:

“continuam como garras, quase sem sensibilidade, mas infinitamente feliz por saber que meus filhos estão bem”.

Todo o tipo de sofrimento é um recurso que a divindade nos faculta para nos depurarmos, e evoluindo, retornarmos a pátria espiritual em estado de total plenitude. 

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