Semeadores Galileus

Aqueles eram sítios muito amados...

Buscara-os repetidamente para fruir a ternura do povo simples, acostumado ao pálio da esperança e sonhador ante as perspectivas de felicidade. Sofridos pela constrição contínua de fatôres poderosos, cujas causas e razões lhes escapavam às mentes pouco afeitas a raciocínios mais profundos, refugiavam-se aquelas criaturas à sombra do amor, tornando-se afáveis e meigas. A generosidade que lhes era peculiar de todos se fazia conhecida. Ajudavam-se no infortúnio, sustentando-se uns aos outros nas dificuldades e compartiam os júbilos que os renovavam para prosseguir otimistas, conquanto as contínuas aflições, que não raro os surpreendiam.

As paisagens verdejantes em que as latadas floridas se destacavam exuberantes, falavam da fertilidade da terra, defendida pelas encostas dos outeiros e da cordilheira altaneira que vigiava do alto o horizonte visual sem fim...

Seus diálogos com os habitantes da Região eram feitos de delicada ternura e enriquecidos de promessas de ventura.

Ali, amavam-No todas as pessoas e desde as ressurreições de Lázaro, do filho da viúva de Naim, mais se tornara valioso para todos o intercâmbio com aquele ameno Rabi.

Diferente de todos os que antes d'Ele passaram por aquelas plagas convidando ao Tora e à Vida, Ele assumia crescentes proporções sempre que considerado por quantos O conheciam.

N'Ele havia inexplicável magia que comunicava paz, e, à Sua volta, ondas de júbilos explodiam na multidão, mesmo quando nada dizia. Os Seus silêncios, nas pausas naturais das palestras que proferia, revestiam-se de poderosa emanação de segurança interior, que igualmente impregnava os que O seguiam.

Nenhum semelhante ou jamais igual a Ele passara por Israel.

Incontestavelmente era o Enviado, o Libertador...

***

As convulsões festivas dos últimos dias, a ignominiosa tragédia da cruz e as notícias desconcertantes afetavam-nos vigorosamente.

Após a entrada gloriosa — e durante ela, não obstante a exaltação geral, Ele se apresentava triste, no animal que O conduzia, ao espoucar das emoções festivas — tudo se sombreara intempestivamente.

Nas informações retalhadas, em forma de comentários vexatórios, soubera-se da Sua prisão e logo do julgamento absurdo, que redundara na inqualificável crucificação...

A deserção dos amigos, a galhofa de que fora vítima pelos Seus beneficiários, o supremo abandono, a morte eram referências pronunciadas em voz dorida, recordando agonias que supliciavam todos com o ácido dos remorsos.

Ninguém sabia exatamente o que acontecera, como ocorrera, porque se dera.

Não se habituaram sequer aos insucessos cruéis, não despertaram ainda do torpor punitivo, angustiante, e novas, desconcertantes notícias inundavam os corações.

Ressurreição! — proclamava-se de boca a ouvido como se se temessem represálias das autoridades ou se se receassem as improcedências do acontecimento.

Viram Lázaro e outros, considerados mortos, sair, vitoriosamente da sepultura, continuando a viver desde então... Quantas outras realizações acompanharam !...

Já não importava o que fora ou não fora feito. Amavam-No e gostariam de dizê-lo, ressarcindo o débito de amor e gratidão para com Ele...

Valorizavam-No agora muito mais, após O terem perdido.

Desse modo, receavam separar-se, para fruírem de qualquer aparecimento que ocorresse, renovando-lhes a coragem...

O pequeno rebanho se encontrava ansioso.

Os que foram aquinhoados com a Sua presença e escutaram Suas palavras revestiam-se de poderoso júbilo, insuperável. Iluminavam-se de estranha clari dade quando narravam o acontecimento, fazendo que os ouvintes se empolgassem, participando da festa íntima que os inundava.. .

...E Ele aparecia e ressurgia...

As testemunhas insuspeitas se multiplicavam.

As asserções dos inimigos, denegrindo-Lhe o nome e afirmando que o Seu corpo fora roubado, — calúnias espalhadas desde as primeiras visões do Seu retorno —, quase acreditadas nos entrechoques dos acontecimentos passados, agora se diluíam e a fé, antes em tormento de saudade, clarificava, dominando todos.

Na sepultura vazia, no cenáculo, na estrada, na praia, ao lado dos amores e junto aos desconhecidos Ele se apresentou, participou de quê-fazeres e jornadeou em conversação amiga...

Vivia o Mestre! — proclamavam os corações confiantes, outra vez afervorados.

A vida triunfara da morte! — refletiam os que antes duvidavam.

Voltaram à Galiléia, aos labores habituais e o canto das redes nas águas piscosas recordava ainda mais a Ausência.

A atmosfera de lembranças era uma dor e uma saudade em todos.

Nas encostas e nas planuras a sega se fizera e os feixes de erva e espinho esplendiam ao sol.

O céu muito azul e transparente espia e agasalha aqueles corações...

***

O entardecer se revestiu de tonalidades fortes e o leque de luz entornava tintas fulgurantes que transmitiam mística poesia à natureza.

Reuniram-se no ácume do outeiro sem qualquer delineamento anterior. Tinha-se a impressão de que desconhecida força arrastara-os até ali.

Saudades ignotas salmodiavam tristes cantatas naquelas almas que O conheceram e com Ele privaram antes...

Podia-se ouvir no silêncio geral que repentinamente se abateu, o pulsar rítmico da Natureza.

Refreando as emoções que o embargavam, João ergueu-se em destaque e imprimindo à voz juvenil canora entonação sumariou aqueles dias transatos, reportando-se às visões do retorno d'Ele...

Imensa ansiedade invadiu o cenário dourado da Terra.

Mães aconchegavam os filhos ao seio, esposos se davam as mãos que entrelaçavam promessas de fidelidade, anciães pressentiam a vitória da vida sobre as cinzas da sepultura...

E esperavam, ouvindo o canto do discípulo amado, não sabiam o que.

***

Numa pausa para melhor reflexão, o discípulo silenciou e todos os peitos, agora opressos, respiraram com dificuldade.

Ao lado, um pouco mais acima do solo atapetado pela relva, de costas para o disco solar em sangue e ouro, o Amigo apareceu, nimbado de incomparável beleza.

Houve um estremecimento generalizado, um frémito que percorreu todos os presentes.

As lágrimas saltaram dos olhos desmesuradamente abertos. Os lábios da multidão se entreabriram mudos, pela inusitada emoção.

Sim, era Jesus!

As vestes pareciam flutuar incendiadas. O rosto adornado pela basta cabeleira flutuando no ar carreado, era do Amado, conquanto mais belo, mais diáfano...

— Eis-me que estou entre vós. Começou por dizer com a mesma entonação de outrora —. Paz seja convosco! (*)

As palavras sem queixas nem reprimendas bordavam-Lhe os lábios e caíam como gotas divinas sobre os corações, penetrando-os.

— Agora ao vosso lado outra vez e, logo mais, com meu Pai. Nunca, porém, me apartarei de vós, nem vos deixarei.

"Sois a terra generosa e eu sou a semente da vida. Se não morre o grão, não se enriquece a mesa de pão. Sem o solo a semente não sobrevive porque não se renova nem se multiplica e sem o grão a terra crestada é morta...

"Sois a minha paixão, a minha longa dor, o amor da minha vida. Eu sou a vossa esperança, o alento da vossa felicidade. Sem mim caminhareis em inquietação crescente.

Sem vós sofrerei soledade.

"Vinde, novamente a mim, e deixai-me demorar em vós."

As ansiedades generalizadas selaram com silêncio suas agonias.

Ele contemplou a multidão e viu o futuro: campos juncados de cadáveres e rios de sangue; paixões desenfreadas em carros de guerra e os abutres das pestes dizimando; os monstros do egoísmo e da insensatez dirigindo os corcéis do desespero e as dores superlativas vencendo... Muito ao longe, no futuro, porém, desenhava-se a Era do Consolador, o período de paz...

— "Amai-vos sempre, eu vos peço. Seja o vosso sinal o amor. Só o amor liberta o homem.

Por muito amardes, sereis perdoados, amados, felizes!

"Amai a fonte, o solo, o animal, a vida em qualquer expressão, amai-vos uns aos outros... como eu vos tenho amado!

"Eu vos convido a descer aos homens e amá-los para subirdes aos Céus, amados. Todo aquele que desce para ajudar, eleva-se ajudado pelo auxílio dispensado.

"Por enquanto não sereis compreendidos nem amados... Ao contrário, sereis odiados e perseguidos. Vossos suores, lágrimas e sangue lavarão vossas culpas e prepararão vosso amanhã.

"Sereis tidos por endemoninhados e loucos, ultrajados nos mais caros anseios e esperanças por minha causa. Lembrai-vos de mim .Recordai: Eu venci o mundo! Não podereis vencer no mundo das ilusões e dos triunfos entre os homens de paixões.

"Vossos ideais, em nome do meu Nome, serão violados e confundidos, e vosso nome por amor ao meu, mil vezes pisoteado... Tende bom ânimo!

"Tudo passa: menos o amor.

"Na hora aziaga e nobre do testemunho, dizei: isto também passa. E alegrai-vos.

"Sois minhas ovelhas amadas e eu vos mando na direção dos lobos rapaces.

"Ide, semeadores, e não temais!

"Que medo podem fazer os que matam o corpo e nada mais conseguem, eles, que logo mais o perderão também?

"Não vos enganeis! Porfiai, mesmo quando aparentemente tudo estiver contra vós, prossegui. Estarei convosco até o fim dos séculos.

"Ignorados por todos, eu vos conhecerei; abandonados pela multidão, estarei convosco; perseguidos pelo mundo, e eu ao vosso lado.

"E quando chegar o vosso momento de retornar, tomar-vos-ei em minhas mãos e vos direi baixinho: entrai na vida, vós que fostes fieis até o fim, e alegrai-vos!

"Agora, ide, pregai e vivei o amor. Eu me vou, mas ficarei convosco!"


O céu estava engastado de estrelas preciosas no manto da noite e a lua em prata vestia a paisagem, confraternizando com o último ouro do poente no cabeço dos montes muito ao longe.

Lentamente viram-No ascender e perder-se no infinito das constelações como se fora uma gema a mais fulgindo no seu rastro luminoso, que ficara como ponte de luz da terra na direção do céu.

No imenso silêncio todos desceram o monte da Galiléia bordado de loendros e ciprestes e refugiaram-se nas roupas da Humanidade dos tempos, desde então até hoje nos dias do Consolador, aqueles que O ouviram e seguirão marchando fiéis até amanhã, na direção da Era da paz e da felicidade por Êle prometida...

Amélia Rodrigues (Espírito)
Divaldo Pereira Franco (Médium)

Fonte: livro “Luz do Mundo” (cap. 17, Ed. Leal)

(*) Mateus 28: 16 a 20
Nota da Autora espiritual.

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